Hoje é difícil
imaginar uma banda brasileira chegando ao patamar atingido pelo Sepultura. E
isso não é por falta de grandes bandas no cenário nacional. Muitas vezes a
falta de persistência e uma cena ainda muito underground seja a explicação que
impeça outras formações de atingirem o apogeu artístico. O que não podemos
negar, e está muito claro para os que acompanham a carreira do Sepultura, é que
Paulo Xisto e Andreas Kisser, juntamente com Derick Green e Eloy Casagrande (o
caçula do grupo), continuam lutando para manter o nome Sepultura em evidência.
E mesmo depois de vários conflitos internos, os caras se mantêm firmes na cena,
representando com soberania e dignidade o metal nacional. No momento o
Sepultura está prestes a se apresentar novamente no Rock In Rio, festival que
ajudou a banda a alçar voos mais altos. Para sabermos um pouco mais sobre a
relação da banda com o festival e outros assuntos, falamos com Andreas Kisser,
que parece se multiplicar por todos os lados, tamanha a variedade dos seus
projetos. Vejam abaixo como foi essa conversa!
Desde a primeira participação no
Rock in Rio, (quando o Sepultura tocou no estádio do Maracanã em janeiro de
1991), foram várias apresentações no festival – já contando as edições
internacionais (Lisboa, Madri e Las Vegas). Conte sobre a sensação de
participar novamente desse megaevento e quais são suas melhores lembranças
sobre o que já rolou no festival?
Andreas: Bom, são muitas lembranças. Na
verdade, o show no Estádio do Maracanã, foi um dos mais importantes da nossa
carreira, pois o Sepultura já estava com uma boa exposição internacional, já
tocávamos fora a algum tempo, mas no Brasil ainda éramos ignorados,
principalmente por parte da grande mídia. Lógico que havia o pessoal do metal,
que acompanhava o underground e sabiam o que estava acontecendo. Mas foi
realmente depois do Rock in Rio, de tocar a céu aberto, por apenas trinta
minutos, em um “puta calor”! O Lobão teve os problemas dele depois... e no
mesmo dia, veio aquela “constelação” - Megadeth, Guns N´ Roses no auge, Judas
Priest, Queensryche. Então para nós, foi muito importante ter tocado em um
festival com essa exposição fantástica para a mídia inteira, aparecendo na
televisão. A Globo mostrou o Sepultura
como sendo uma banda brasileira que já estava acontecendo fora do Brasil. Teve
o backstage também... conhecer os ídolos, ver como os roadies trabalhavam e o
profissionalismo de todo mundo, pois não estávamos acostumados ver isso. Apesar de
já ter tocado fora do Brasil, o nosso circuito era muito underground ainda. Foi
uma experiência fantástica em todos os aspectos. E depois as portas se abriram!
A edição de Lisboa, em 2004, foi importante. Em Las Vegas - a primeira edição
nos Estados Unidos, onde o Steve Vai foi o nosso convidado, a parceria com o
Tambours Du Bronx, acompanhamos o surgimento do Palco Sunset em Lisboa, nos sentimos em casa! É um espaço que coloca as grandes bandas do
mundo no palco e também sempre abriu espaço para coisas novas, e desde 85 é
assim, com toda essa diversidade de estilos.
O
Sepultura será a principal atração do palco Sunset e trará o aclamado “Machine
Messiah”, mais novo trabalho a tira colo. Sabemos que haverá participações
especiais de integrantes da Família Lima (Amon, Lucas e Moisés Lima). O que o
público pode esperar dessa apresentação?
Andreas: Na Verdade, não faremos experiência nenhuma. Nós
vamos apresentas o “Machine Messiah” como nunca apresentamos antes. Essa vai
ser a primeira oportunidade de apresentarmos as músicas com a galera tocando no
palco. Temos feito shows com samples, que acompanham nossas apresentações ao
vivo. Mas dessa vez faremos com músicos no palco, e além do Amon, Lucas e
Moisés Lima, teremos membros da orquestra do Renato Zanuto, que teve
participação em nosso último disco (The Mediator Between Heads And Hands Must
Be The Heart), e que fará, pela primeira vez ao vivo, solo de Hammond na música
“Iceberg Dances”. Vamos aproveitar o Rock in Rio para apresentar um show único,
que não foi apresentado em lugar nenhum ainda. Vamos tocar uma ou outra música
da história do Sepultura,
mas realmente vamos focar nas músicas do novo álbum. Inclusive vamos apresentar
a música “Machine Messiah” pela primeira vez. Apresentaremos um palco novo, com
novos elementos e participações de músicos, mas sem experiências, sem misturas
– vamos apresentar o que fizemos no disco do Sepultura e tocar as músicas do álbum
de uma forma única.
Você é aquele tipo de
artista que ‘bate o escanteio e cabeceia para o gol’. Você é visivelmente o
membro mais inquieto da banda. Já tocou em projetos como “Hail!”, “Brasil Rock
Stars”, participou de uma infinidade de trabalhos nos mais variados gêneros e
ainda mantém ativo o “Kisser Clan”, “De lá Tierra”, e ainda comanda o programa
de rádio “Pegadas do Andreas Kisser” (junto com o Yohan Kisser, seu filho). De
onde você tira tanta energia para encarar essa rotina? Existe algum projeto ou
algo que você ainda não tenha conseguido colocar em prática?
Andreas: (Risos), para mim é um
privilégio ter tanta oportunidade de trabalhar com tanta gente. Eu acho que a música
realmente une as pessoas: de idades, estilos diferentes, culturas diferentes. O
Sepultura através da música tocou em mais de setenta e seis países diferentes
pelo mundo. São trinta e três anos de história. Então nós conhecemos muita
gente diferente. Pessoas de cinema, televisão, outros músicos, do esporte,
tivemos a oportunidade de conhecer nossos ídolos, gente da política, enfim... e
com isso as portas vão se abrindo. Eu
gosto de aprender, de conversar com gente diferente, principalmente no ramo da música
e as coisas vão aparecendo com organização, com a ajuda de todo mundo – a
equipe, família. Além de tudo isso, eu fiz trilhas sonoras para Globo. Isso é
muito legal, pois estou sempre crescendo, é uma energia muito boa e positiva.
As pessoas podem achar que isso é muito cansativo, mas eu vejo o contrário,
para mim isso é muito motivador, deixar a cabeça ativa, com ideias novas,
falando com gente diferente, aprendendo outras línguas... isso é algo positivo
e bem saudável. Também é importante se cuidar, procurar comer bem, dormir bem.
É importante procurar crescer na profissão e eu procuro fazer as coisas que eu
gosto. Eu procuro não ficar forçando barra ou situação se não for algo que eu
realmente acredito e que eu vá curtir, ter prazer e crescer. Tudo isso é muito
positivo para mim, eu curto muito.
Se levarmos em conta que a
carreira do Sepultura possui uma obra de enorme impacto, e que teve (e ainda
tem) grande influência na vida dos fãs, músicos e artistas do mundo inteiro.
Como vocês encaram essa responsabilidade na hora de compor um novo álbum?
Andreas: Com muita naturalidade, sempre
fizemos o que queríamos fazer no aspecto artístico – de tocar, fazer música,
gritar e falar das coisas que falamos nas letras. Sempre lutamos muito para ter
essa liberdade e independente de qual gravadora ou de qual situação nos
encontrávamos na mídia. Nunca baixamos a cabeça ou mudamos nada por motivos
assim. Sempre viajamos e conhecemos coisas novas e procuramos trazer influência
daquilo que curtimos e achamos que funciona na nossa música. Então isso é
natural – a pressão é positiva e no Sepultura sempre houve essa pressão, mas em
cada disco que lançamos temos, pelo menos, dois ou três anos de turnê, vários
projetos acontecendo e estamos sempre coletando ideias. Nesse percurso, estou
sempre escrevendo alguma coisa. Hoje é muito fácil guardar ideias, em um telefone.
E a partir do momento que paramos para gravar um novo disco do Sepultura, já
temos um ponto de partida, e isso facilita muito no começo do processo, temos
que curtir e não podemos ficar usando essa pressão de uma forma negativa, de
ficar preocupado com o que os outros vão pensar. Vamos fazendo o que curtimos e
nos preparamos para isso.
O
público paulista foi contemplado recentemente com o anúncio de uma apresentação
do De La Tierra, em São Paulo no Tropical Butantã para divulgar o mais novo
álbum da banda. Qual seria o grau de importância desse projeto para você?
Andreas:
O De La Tierra é
um projeto que começou com todos os membros já muito ocupados com as suas
respectivas bandas, e já sabíamos que o projeto seria assim, essa é uma situação
da banda, ela foi criada dessa forma e sua manutenção segue dessa forma. O
Sepultura está muito ocupado, o Maná no ano passado estava ocupado, e ainda está,
fazendo alguns shows, mas o Alex (Alex González – baterista no Maná), está com
um pouco mais de tempo, e ainda está lançando sua marca de tequila “Mala Vida”.
Também trocamos o baixista (Sr. Flavio, “Los Fabulosos Cadillacs”), que optou
por seguir com outros projetos e que estava afim de se dedicar a família e filhos. Essa é uma situação que já sabíamos
que seria um grande desafio, que é colocar a banda junta, achamos uma maneira
de cada um compor as demos e depois fazer os arranjos juntos e gravar.
Procuramos participar de festivais, para que possamos tocar para o maior número
de pessoas possível em menos datas. E agora estamos lançando o segundo disco
(De La Tierra II), e finalmente poderemos fazer uma turnê na América do Sul.
Vamos tocar com o Harold Hopkins (baixista e fundador do Puya), que entrou na
banda agora e que mora em Porto Rico. Serão os primeiros shows com ele e
estamos muitos felizes de anunciar esse show em São Paulo. Tocar no Brasil é
muito importante e estamos felizes por essas datas na América do Sul. Teremos
shows no México e algo para a Europa,
mas vamos caminhando devagar. Afinal, não temos muito tempo e energia para
dedicar ao De La Tierra da maneira que seria necessário, mas temos consciência
que vamos ter que lidar com isso dessa forma. Temos o apoio da Sony Music, que
é uma grande gravadora, um ótimo empresário, uma excelente equipe, e no final
gostamos muito de tocar juntos e aos poucos vamos aproveitando as oportunidades
que temos.
Você é reconhecidamente
um ícone na música, mas demonstra uma humildade poucas vezes vista em um meio
onde os egos passam o limite do aceitável. Qual a importância de “manter os pés
no chão”, mesmo tendo um currículo como o seu?
Andreas: Sinceramente eu não sei, é
difícil julgar outras pessoas. Eu sou do jeito que eu sou, faço o que eu faço e
sigo de acordo com aquilo que eu acredito. Não sei... é difícil comparar ou
achar que um é mais arrogante que outro ou mais humilde, acho que no final o mais importante é fazer aquilo
que gosta, sem pressão nociva, sem pressão que não traga coisas boas. Eu
acredito que devemos manter o espirito leve e curtir o dia a dia e o “resto é
resto”. Eu já vi tanta coisa acontecer com grandes ícones e sempre aprendi com
eles. Todos os meus heróis, e posso mencionar o Hollywood Vampires (Andreas
tocou com a banda no Rock In Rio de 2015), Alice Cooper e Joe Perry – parece
que os caras começaram ontem, uma gana, uma vontade de estar no palco, uma
energia de adolescente. Um clima muito respeitoso, muito tranquilo. Eu acredito
que esse é o espirito, o fato de aprender com essa galera. Pois esses são os
caras mais leves, sem tanta paranoia e problemas. Já é difícil o suficiente
estar na estrada, longe da família, fazendo turnês pelo mundo, então vale a
pena curtir e não ficar como escravo da situação.
Por: Roberio Lima
Agradecimento: Adriana Baldin e Andreas Kisser
Foto: Divulgação
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