![]() |
| Foto: Rafael Cunha Procópio |
Marduk - Manifesto Bar - São Paulo/SP - 02 de novembro de 2025
Por: Rafael Cunha Procópio
Fotos: Rafael Cunha Procópio (@rafaelcprocopio)
As luzes profanas do black metal descenderam no Novo Manifesto para coroar o primeiro fim de semana de novembro. Entre as tochas do imperador romano e a luz do deus supremo da Babilônia, o fiel público paulista do metal obscuro presenciou duas apresentações bem distintas entre si, mas que mostraram a vastidão do gênero entre blasfêmia, misantropia e belicosidade.
O trio gaúcho do Torches of Nero iniciou a noite com seu blasfemo ritual de máscaras, dividido em dois blocos, equilibrando o setlist com músicas inéditas – foco da primeira parte – e outras já divulgadas pela banda – que prevaleceram na segunda metade do show. Produtores de um black metal cru e bem calcado nas duas primeiras ondas, apesar de o som remeter mais claramente às bandas europeias continentais da década de noventa, o Torches of Nero não deixar de reverenciar os expoentes europeus e brasileiros da primeira onda, como os suíços Hellhammer e Celtic Frost, os ingleses Venom e os brasileiros Sarcófago, Vulcano e Holocausto.
Baal Seth Penitent (ou Santiago, para os mais chegados) conduziu o baile macabro com maestria, introduzindo a maior parte dos sons com breves discursos ácidos contrários à dogmática judaico-cristã. Interessante notar como nada do figurino parece ser mero acaso. No primeiro bloco, a máscara de Baal Seth personificou o deus Pã, possivelmente como meio de introduzir o novo som rústico da banda – tal qual teria feito o deus camponês na Grécia Antiga. O anticristianismo, mote principal da entidade Baal, estava presente em várias faixas dessa primeira parte, tais como Blessed be the lepers that Yeshua didn’t cure; The rat; Hosana Iscariot e Rotting corpse of Christ (and the whore impaled).
A máscara mais enigmática e despersonificada do segundo bloco entrou em maior sintonia com as usadas pelo baterista Antimater e baixista Blackpest – em minha opinião, a de maior destaque, um demônio despersonificado com crucifixos invertidos para ornamentar sua malignidade. Ainda calcado no tom crítico aos dogmas religiosos, os gaúchos tocaram Mokk – do seu primeiro EP, de mesmo nome –; Hate Mokking Abrahamaggedon e The Key of Denial. O show foi finalizado com a música The Sower of Darkness, composta em homenagem a Euronymous e com sonoridade claramente inspirada no Mayhem. Nessa noite, foi dedicada ao Venom e aos 43 anos do álbum Black Metal, completados no mesmo dia.
Após mais de uma hora de espera, chegou a vez de o público presenciar a máquina de guerra do Marduk. Similar à estratégia de guerra relâmpago alemã, a falta de um anúncio claro sobre a hora do show parecia testar os nervos dos presentes. Sem saber se os suecos tocariam às 21h, 21h30 ou 22h, a expectativa era quase palpável. Por fim, as primeiras bombas de abertura do clássico Panzer Division Marduk começaram a rolar nos PAs do Novo Manifesto às 21h35. Pelos próximos 30 minutos, o álbum foi tocado na íntegra, seguindo a ordem do tracklist original de 1999 de forma impiedosa.
Ainda que a voz visceral de Erik “Legion” Hagstedt seja insubstituível, o vocal mais grave de Daniel “Mortuus” Rostén tem o mérito de, ao vivo, transmitir com maior precisão a urgência e a belicosidade dos temas de guerra que se tornaram a marca registrada do Marduk ao longo das décadas e após os primórdios da banda tocando death metal e perpassando as temáticas anticristãs usuais nas origens do black metal. Os meus destaques pessoais de sua performance foram Baptism by Fire; Scorched Earth; 502 e Fistfucking God’s Planet. Por algum motivo oculto – seja o cansaço da extensa turnê, seja algum problema técnico de retorno do som que eu particularmente não captei –, o vocalista teve diversos arroubos de mau humor e descontou o descontentamento no pedestal do microfone, diversas vezes lançado ao chão ou na direção do (também músico) roadie da banda. Fica a nota de que similar desrespeito que não se justifica em qualquer caso.
![]() |
| Foto: Rafael Cunha Procópio |
![]() |
| Foto: Rafael Cunha Procópio |
![]() |
| Foto: Rafael Cunha Procópio |
A tríade instrumental da banda merece igual menção pela precisão, volume e peso na execução das músicas. A sintonia da dupla de Simons – Wizén no baixo e “Bloodhammer” Schilling na bateria –, que já estava presente na última passagem da banda em 2023, ficou ainda mais evidente dessa vez. Mesmo com o volume da bateria se sobrepondo um pouco aos demais instrumentos, o desbalanceamento não chegou a prejudicar a audição geral. O codinome “martelo de sangue” do baterista tem motivo de ser, porque, se as peles da bateria sangrassem às marteladas sofridas ao longo do set completo, certamente as baquetas sairiam tingidas do mais rubro vermelho. A técnica e desenvoltura em músicas como Panzer Division Marduk; Beast of Prey; Blooddawn e, claro, Blond Beast – que encerrou o show – impressionaram.
Presenciar o Morgan “Evil” Håkansson, fundador e mentor do Marduk, ao vivo é um espetáculo a parte. Apesar da postura mais contida do lado esquerdo do palco, o homem é uma máquina de riffs monumentais do mais escuro e perverso metal, tirando o exercício de resistência e estamina (talvez aí mais um motivo para a sua camiseta referenciando a Revolta de Varsóvia de 1944). As suas composições falam por si só, então ele sequer precisa dividir a atenção com o frontman. A velocidade das suas palhetadas hipnotiza e Morgan atua como o regente da invasão diabólica sob o irônico banner do deus babilônico da luz. Exemplo claro é a igual atenção que as linhas de guitarra receberam do público brasileiro ao mesmo tempo em que os presentes cantavam em uníssono os refrões de Christraping Black Metal e Fistfucking God’s Planet.
Passados alguns poucos minutos, a banda voltou ao palco para terminar a destruição sonora com um sobrevoo pelos 35 anos de carreira. O (também breve) segundo bloco contou com seis músicas, sendo duas da fase Mortuus no vocal. Those of the Unlight abriu os caminhos com um black metal mais cru e tradicional, sendo seguida por With Satan and Victorious Weapons, que conta com um exímio trabalho de guitarra de Morgan. A referência ao trabalho mais recente da banda veio na forma da cadenciada Shovel Beats Sceptre, uma soturna marcha fúnebre regida pelas seis cordas de Morgan e pelas cordas vocais de Daniel, tão implacável e inevitável quanto o chamado à morte.
Sendo ou não a faixa do disco Memento Mori a representante da Morte do tripé conceitual “Blood, Fire, Death” em substituição ao La Grande Danse Macabre – disco que originalmente fechou essa trilogia conceitual do Marduk –, fato é que o ícone do Sangue também se fez presente com Slay the Nazarene, fechando o círculo iniciado com o Fogo do disco Panzer Division Marduk. Já se encaminhando para o fim da apresentação, The Black... foi o único aceno ao primeiro disco da banda, uma música com toques de death metal, mas que ao vivo ganha uma roupagem mais soturna e próxima do black metal que a versão original de estúdio.
![]() |
| Foto: Rafael Cunha Procópio |
![]() |
| Foto: Rafael Cunha Procópio |
![]() |
| Foto: Rafael Cunha Procópio |
![]() |
| Foto: Rafael Cunha Procópio |
O coro gritado de “Marduk” precedeu a execução do hino moderno Blond Beast, com o seu ritmo guiado por guitarra e bateria capaz de injetar a energia final em todo um batalhão (ou seria legião?) de almas sem luz em marcha pelas planícies manchadas de terror, sangue e negror. Pena que esta foi, de fato, a faixa final do show. Com um misto de sabor agridoce e confusão da casa, equipe e público, as luzes apagadas perduraram por mais alguns minutos antes de finalmente serem acesas sem a execução da esperada Wolves. Apesar de ela sequer constar na versão impressa do setlist, ela era antecipada pelo público brasileiro, pois foi tocada nos demais shows dessa turnê latino-americana.
Voltando às palavras de abertura, é interessante notar como a performance dos suecos do Marduk, despida de que quaisquer adereços de palco e contando apenas com uma iluminação que durante a maior parte do show é bastante escura, se diferencia da ritualística performada pelos brasileiros do Torches of Nero. Cada um ao seu modo revela as distintas faces do metal negro, mostrando o quão amplo é o terreno tocado pela escuridão do black metal.
Agradecimento ao Manifesto Bar pelo credenciamento e atenção








Nenhum comentário:
Postar um comentário