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17 de fevereiro de 2020

Shaman + Alírio Netto em São Paulo

Foto: Jair Cursiol Filho

Segundo final de semana seguido que tive uma aventura metaleira relacionada a bandas em que o Andre Matos foi vocalista. No domingo dia 2 de fevereiro foi o Viper (leia em http://www.bigrockandroll.com/2020/02/roland-grapow-confessori-viper-em.html), que já foi pesado, mas era uma banda que já tinha história pregressa com outros vocalistas e que já não era o Andre quando ele morreu. Não vou entrar muito na discussão da segunda fase do Shaman, que para mim considero mais como um pré-Noturnall ou uma versão anterior da banda solo do Confessori do que realmente o Shaman. Independente disso, o fato é que Andre morreu no meio de uma turnê de reunião da formação original da banda, que estava tocando na íntegra os discos Ritual e Reason.

Somado ao fator de que o vocalista é, provavelmente, a pessoa (não a banda) mais importante para a história do metal brasileiro até hoje e a porta de entrada de muita gente, o show tinha tudo para ser emocionante e tenso. O escolhido para a tarefa foi o vocalista Alírio Netto. Alírio fez musicais como Jesus Cristo Superstar no México e passou pelas bandas de power metal Khallice e Age of Artemis e pela de heavy rock Lince, antes de finalmente virar o vocalista do Queen Extravaganza.


Sioux 66

Mas antes de vermos o que Alírio trouxe e como o Shaman se comportaria nessa nova Nagual Fly tour, tivemos a abertura da banda Sioux 66. Essa banda tem dois nomes pesados em sua formação: Bento Mello (filho de Branco Mello dos Titãs) e Yohan Kisser (filho de Andreas Kisser do Sepultura). A influência dos Titãs é bem visível no som (o próprio fato de tocarem um cover de "Diversão" do agora trio demonstra isso), ainda que seja uma ideia bem mais pesada, um heavy/hard rock. Há uma óbvia tentativa de agradar o público mais metal ao repetir mais de uma vez durante o show de que Yohan é filho de Andreas. Mas creio que o cover de “Bark at the Moon” do príncipe das trevas Ozzy Osbourne fez mais isso.
Apesar de não ser a praia deste escriba, o show foi bastante competente e contou com parte do público cantando as músicas autorais da banda (uma raridade no metal). Além disso, toda e qualquer banda que tente sobreviver no Brasil de rock pesado em português merece ao menos os parabéns pela coragem.


Foto: Jair Cursiol Filho


Shaman featuring Alírio Netto

A banda de abertura saiu do palco cerca de meia hora antes da entrada do Shaman no palco. Havia uma energia diferente no local, um misto de ansiedade, apreensão e otimismo. A vontade de que a banda desse certo, com a pulga atrás da orelha de como Alírio se sentiria e se sairia calçando os sapatos mais difíceis do metal nacional - Edu Falaschi e Thiago Bianchi que o digam. Cerca de vinte minutos antes começaram a tocar peças clássicas, uma das paixões de Andre, até que finalmente "Ancient Winds", peça orquestrada de abertura do disco Ritual de 2002.

Ao final da versão, que foi remixada junto com a intro utilizada na turnê do Reason, começa “Turn Away” do álbum Reason. Várias cenas desta música foram filmadas para um futuro clipe da banda e foi possível ver outras músicas sendo captadas. Se após isso ainda haviam dúvidas da capacidade de Alírio em alguém, foi em “Distant Thunder”, um dos clássicos da banda, que elas se dissiparam. Além disso, a música demonstrou que a banda não seguiria o que estava fazendo na tour de reunião, que era tocar Reason e Ritual na íntegra um atrás do outro.

O disco Reason voltou ao setlist com a música título e “For Tomorrow” trouxe o Ritual de volta. Nesse momento ainda era uma coisa muito estranha o que estava acontecendo. Um misto de tristeza por não ser Andre Matos no palco e animação por Alírio e pela banda. O novo vocal, aliás, foi ovacionado algumas vezes.

“Time Will Come” e “More”, cover oitentista do Sisters of Mercy apenas mostraram como a banda estava afiada e muito animada. O guitarrista Hugo Mariutti, claramente o mais afetado pela perda do maior parceiro musical nos primeiros meses após a perda de Andre, era claramente o mais emocionado e empolgado. Luís Marituti, baixista, também esbanjava sorrisos. Pode parecer estranho para quem não acompanha de perto a banda, mas Luís passou por momentos de depressão e abandonou os palcos por anos antes de voltar ao mundo da música, primeiramente com o seu excelente canal do YouTube (https://www.youtube.com/user/LuisMariutti) e depois com a volta do Shaman. Ricardo Confessori, baterista, era… bem… Ricardo Confessori. Isso sem contar a presença de Fábio Ribeiro, tecladista que acompanhou o Shaman em todas as suas tours e a banda solo de Matos (junto com Hugo e Luís) nos dois primeiros discos do vocalistas.

Foto: Jair Cursiol Filho

Falando em teclados, Matos sempre foi um excelente tecladista e pianista, e uma das coisas que os Mariutti fizeram questão de frisar em algumas entrevistas antes do show foi que o sucessor de Matos precisaria não só ser um bom cantor, mas alguém que fosse capaz de trazer emoção e ser capaz de fazer os pianos. Alírio já havia sentado no piano em “Reason”, mas foi em “Innocence” - balada single do segundo disco e minha favorita de longe (sim, eu prefiro o Reason ao Ritual!) - que ele sentou ao piano de verdade e lá ficou. As linhas foram relativamente simplificadas, algo que ele mesmo já havia dito que faria, dada a dificuldade de cantar em alto nível (e em tons altos) e tocar o piano.

Peço desculpas àqueles que creem que falei demais de Andre Matos aqui. Fiz parte do finado For Tomorrow Fan Club e fui, pasmem, administrador da comunidade do Andre no Orkut. Estava apreensivo e com o coração pesado. Não havia conseguido ver a tour de reunião por estar fora do país. Estava até esse momento parado, congelado, sem saber o que fazer.

Talvez sabendo que haveriam fãs com a dor que eu sentia, a banda preparou a apresentação de “Brand New Me”, primeira música composta já com Alírio. A música ainda não foi liberada em sua versão final, mas o refrão decreta o início de uma nova fase, sem esquecer da antiga: “Sinta o novo eu / Escute o novo eu / Nada dura para sempre / Nem uma lágrima nem um sorriso / Uma vida sem viver / É como viver uma mentira” (Tradução deste que vos escreve). Há um quê claro de Ritual nela, talvez até demais, mas o fato de que parte do público já sabia cantar (o refrão foi divulgado em algumas redes sociais dias antes) aponta para um bom futuro. Há violões, piano, batidas tribais, agudos, um solo cheio de feeling de Hugo Mariutti. Faltou só um pedal duplo pra ser uma música típica da banda. Estou ansioso pela versão final.

Veio então “Here I Am”, a primeira paulada do disco Ritual e primeira música da banda que aprendi a tocar no baixo. Ainda a acho menos apreciada do que deveria ser, mas pulei e cantei como se não houvesse amanhã. “Iron Soul” foi talvez a música menos apreciada da noite, injustamente. Ainda assim, é difícil realmente dizer que o público deixou de apreciar alguma parte daquilo tudo.

E aí “Fairy Tale”. Existem duas músicas em toda a carreira de Matos que creio serem peculiares o suficiente para nunca ter visto alguém cantar elas de uma maneira que me satisfizesse. São elas “Moonlight” (Viper e sua versão “A New Moonlight” da carreira solo) e “Fairy Tale”, maior sucesso do Shaman. É quase impossível pedir que não cantem, então não serei chato. Alírio atingiu as notas, cantando no tom original (assim como em todas as músicas) e fez muita gente chorar. O fato de que que Marcus Viana, grande amigo de Andre e violinista dos discos Ritual, RituAlive e Reason fez a sua parte ao vivo junto com a banda apenas abrilhantou mais a performance.

Foto: Jair Cursiol Filho

Falando em chorar, eu ainda não tinha chorado. Diferente do show do Viper, onde chorei no começo, o do Shaman mexeu com MUITO mais sentimentos. E se alguém ainda não tinha caído em prantos, como eu, ninguém que já fosse fã da banda ou do Andre conseguiu resistir ao que veio a seguir: Hugo, Luís, Ricardo e Fábio saíram do palco, a banda trouxe o terno que Andre costumava usar em suas apresentações enquanto apenas Alírio ao piano e Marcus no violino fizeram um medley de Living for the Night do Viper, Endeavour da carreira solo, “No Need to have an Answer” do Virgo, projeto de Matos e o produtor/guitarrista Sascha Paeth, e “The Show Must Go On” do Queen.

Talvez seja o choro de todo mundo que estava na Áudio nesse momento o causador do alagamento em São Paulo na manhã seguinte, pois não havia viva alma à esquerda ou à direita que não estivesse aos prantos. Sei que eu estava. E foi o momento que me senti, de certa maneira, livre para finalmente e realmente curtir.

Nota: Alguns idiotas (que não estavam lá e viram apenas a foto do terno) criticaram a banda online pela homenagem, inclusive com mensagens pessoais aos membros, levando o guitarrista Hugo Mariutti a desativar o seu Facebook pessoal. Me perdoe o uso da palavra “idiota”, não é e não deveria ser usada em textos jornalísticos, mas não há outra para descrever o que essas pessoas fizeram.

A homenagem se encaixou com o começo de “Born to Be”, faixa que termina maravilhosamente o álbum Reason. “Over Your Head”, pedrada com pegada árabe que contou novamente com Viana no violino. Antes do bis, a banda ainda fez a música título do álbum Ritual. Eu particularmente teria escolhido “Blind Spell”, a única a ficar de fora. Mas, ei, estaria reclamando de boca cheia, porque logo depois do bis veio “Lisbon”, do álbum Fireworks do Angra.

Foto: Jair Cursiol Filho

Pra terminar com chave de ouro, Viana voltou e trouxe com ele Bruno Sutter. O radialista da Kiss FM talvez seja mais conhecido como Detornator, o fictício vocalista do Massacration, mas é um talento nato (escutem o seu disco solo ou o ao vivo Alive in Hell na sua plataforma de Streaming favorita). Bruno havia participado da Pride no primeiro show de retorno do Shaman, fazendo as vezes do alemão Tobias Sammet, e foi novamente convidado pela banda.

O retorno do Shaman foi um sucesso, emocionante e impactante. Agora é esperar que o novo single saia e cada vez mais apoiar o metal nacional, saudando e salvando as poucas bandas que temos.

E uma mensagem especial para o Alírio: obrigado por aceitar esse desafio imenso, obrigado por ter mais coragem do que medo e permitir um fechamento para o coração deste fã machucado. Obrigado por “Brand New Me” e obrigado pelo respeito com o Maestro Andre Matos. Se eu já sabia da sua qualidade vocal, agora você ganhou um fã enquanto pessoa!

SETLISTS

Sioux 66:

Paralisia
Outro lado
Alma
Respostas
O Rei (O Que Te Faz Estar Aqui)
Bark at the Moon (Ozzy Osbourne cover)
Aqui estamos
Diversão (Titãs cover)
Caos


Shaman:

Ancient Winds
Turn Away
Distant Thunder
Reason
For Tomorrow
Time Will Come
More (The Sisters of Mercy cover)
Innocence
Brand New Me (música nova)
Here I Am 
Iron Soul
Fairy Tale (c/ Marcus Viana)
Medley no piano: Living for the Night / Endeavour / No Need to Have an Answer/ The Show Must Go On (Viper / Andre Matos / Virgo / Queen cover c/ Marcus Viana)
Born to Be (c/ Marcus Viana)
Over Your Head (c/ Marcus Viana)
Ritual
Lisbon (Angra cover)
Pride (c/ Bruno Sutter e Marcus Viana)


Por: Jair Cursiol Filho

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