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3 de junho de 2025

Ira! relembra os saudosos tempos do Acústico MTV ao celebrar os 20 anos de um dos discos mais icônicos de seu portfólio

Foto: João Zitti 


Ira! - Vibra São Paulo - São Paulo/SP - 09 de maio de 2025


Por: João Zitti

Fotos: João Zitti (@joaozitti.work)


Existem movimentos musicais que são muito marcantes e característicos das épocas em que ocorreram. E quando digo isso não me refiro somente a gêneros musicais que fizeram sucesso, mas também a labels. Quando se fala dos anos 90 e dos anos 2000, é impossível não relembrar das icônicas gravações do Acústico MTV (e da MTV de um modo geral, que na época foi muito responsável por moldar o gosto musical de muita gente com a exibição de diversos videoclipes, inclusive o meu), que resultou no surgimento de versões tão cultuadas de músicas já existentes que acabaram se tornando, então, as versões “principais”, de certa forma, dessas canções. Nas gravações da MTV internacional, por exemplo: quem não lembra automaticamente do acústico de 1992 de Eric Clapton quando se fala em “Tears in Heaven” ou “Layla”? Ou da gravação do Nirvana de 1994 e o icônico cover de “The Man Who Sold The World”? Os acústicos se tornavam marcantes nas carreiras das bandas que os faziam, sendo relembrados décadas depois com muita saudade e carinho, como é o caso da banda Ira!, que, após mais de 20 anos de sua passagem pelo Acústico MTV, decidiu fazer uma turnê em comemoração a esse registro. 

Aos que não estão familiarizados, “Ira!” é um grupo paulistano de rock com elementos de punk surgido na década de 80 e que, em pouquíssimo tempo, teve uma grande ascensão midiática e na venda de vinis, chegando a participar de trilhas sonoras globais. Dona de hits como “Envelheço na Cidade”, “Eu Quero Sempre Mais” e “O Girassol”, a formação mais conhecida da banda contou com Nasi (vocal), Edgard Scandurra (violão), Ricardo Gaspa (baixo) e André Jung (bateria), sendo essa a mesma formação presente na icônica gravação do “Acústico Ira!”. 

Lançado em 2004, o trabalho fez parte da saudosa série de discos e DVDs acústicos realizados pela MTV Brasil (em um modelo já muito prestigiado no exterior especialmente na década de 90), que também teve trabalhos de outro artistas como O Rappa, Charlie Brown Jr, Kid Abelha e Os Paralamas do Sucesso. No caso do Ira!, a gravação contou com um total de 17 faixas e participações especiais de Samuel Rosa (mais conhecido pelo seu trabalho como frontman da banda Skank), Pitty e de Os Paralamas do Sucesso, sendo um dos maiores sucessos tanto de vendas de discos nacionais nos anos 2000, quanto do próprio modelo brasileiro do Acústico MTV. Pouco mais de duas décadas depois, a banda decidiu realizar uma turnê em comemoração aos 20 anos de lançamento do disco, escolhendo a cidade de São Paulo para dar o pontapé inicial. 

O sucesso de vendas para o show foi tanto que acabou gerando a adição de uma nova data (que se tornou, então, o início oficial da série de shows). O show ocorreu na Vibra São Paulo (antigo Credicard Hall), localizada em São Paulo nas proximidades do rio Pinheiros e da região de Santo Amaro, estando situada também perto de outras casas de show de destaque como Vip Station e Tokio Marine Hall. O local possui uma grande facilidade para que o público possa transitar tanto entre a área comum e a área de shows quanto entre os setores da casa, possuindo também uma ótima visão do palco de qualquer parte de seu interior (no caso, tanto a pista comum quanto os acentos mais recuados no térreo).  

Foto: João Zitti 

Foto: João Zitti 

Foto: João Zitti 


O show do grupo, marcado originalmente para as 22h em ponto, se atrasou cerca de 25 minutos para iniciar (aparentemente por questões técnicas), o que gerou um relativo descontentamento de parte do público presente (que chegou a assobiar em “protesto” contra o atraso). Porém, as reclamações desapareceram quase que automaticamente quando a banda e seus dois principais frontmen subiram ao palco, dando lugar a uma série de gritos empolgados dos fãs ao serem transportados de volta aos anos 2000 com três das mais emblemáticas faixas do disco acústico: “Pra Ficar Comigo (Train in Vain)”, “O Girassol” (que estava com um trabalho de iluminação belíssimo, para a alegria do fotógrafo), e “Flerte Fatal”. 

A formação da banda para a apresentação foi composta por Evaristo Pádua (bateria), Johnny Boy (que ficou mais focado nos teclados), Juba Carvalho (percussão), Jonas Moncaio (violoncelo), Daniel Scandurra (baixo) e, claro, Edgard Scandurra (violão) e Nasi (vocal) completando e liderando o time.  

A construção do palco e o posicionamento dos músicos no mesmo se deu de uma forma que, ao meu ver, buscou recriar em uma versão mais moderna a estética e ambientação da gravação original do trabalho homenageado (ainda que com suas claras diferenças devido a uma série de questões como, por exemplo, o espaço da performance), o que teve um resultado muito bem sucedido, especialmente pelo entendimento da “intimidade” que o show deveria ter, trazendo uma exploração visual muito mais trabalhada na iluminação do que em qualquer tipo de pirotecnia (algo que, se tivesse sido feito, teria destoado completamente de tudo). 

Quem acompanha a banda sabe muito bem das “polêmicas” recentes que a envolveram, relacionadas especialmente ao vocalista Nasi e seu posicionamento político contrário à anistia dos presos pelo 08 de janeiro durante algumas apresentações recentes, o que foi tido por alguns como a causa do cancelamento de alguns shows na região sul do país. Porém, quem achou que isso ia causar uma evasão de público dos shows estava muitíssimo enganado: a banda iniciou a sua turnê com louvor e com a casa praticamente esgotada nas duas apresentações em São Paulo, com um público que não só se mostrou presente, mas também majoritariamente alinhado com o posicionamento político do artista, que agradeceu o apoio dado a ele e o restante da banda. 

Foto: João Zitti 

Foto: João Zitti 

Foto: João Zitti 


Musicalmente falando, o desempenho de toda a banda foi extremamente afiado e certeiro: os músicos de apoio conseguiram fazer um ótimo trabalho ao complementar sonoramente o espetáculo liderado por Edgar e Nasi, de forma a replicar muito bem, também, a sonoridade do disco original. Era muito perceptível a sintonia presente entre eles e o quão alinhados eles estavam com o material que inspirou a apresentação. Algo muito bacana de se ver, também, foi a diversidade de músicos presentes ali no palco e as diferentes faixas etárias que eles integravam, o que reforçou (e muito) o quão influentes o acústico original e o próprio Ira! foram no cenário musical brasileiro, conseguindo trazer uma união de diferentes gerações tanto no palco quanto na plateia, que contou também com fãs que cresceram junto da banda ao longo das décadas e, também, com fãs mais novatos do grupo. 

Em relação aos dois frontmen da banda: Edgard, como sempre, trouxe uma performance excelente tanto nos vocais de apoio quanto no violão, conseguindo executar as canções de forma a mostrar suas almas e a essência da banda. Era muito perceptível, também, o quanto ele estava curtindo e se divertindo durante a apresentação, o que também foi um dos fatores que ajudou a tornar a performance como um todo mais intimista. Se Edgard estava sereno, Nasi foi o completo oposto: energético e agitado (assumindo a personalidade de Wolverine, personagem que ele possui uma grande admiração), o vocalista comandava e tinha o público em suas mãos durante toda a apresentação. Ainda que a performance fosse acústica, Nasi trazia com muita clareza a energia rock ‘n roll e punk para o palco, seja em seus vocais e nos eventuais drives, como também na maneira com que ele interpretava as canções, como foi o caso de “Rubro Zorro”, assumindo o estilo mais “perigoso” presente na narrativa da canção. 

Shows temáticos de discos são sempre algo complexo, pois podem ou resultar em algo muito nostálgico ou em algo tido como um “piloto-automático”, visto que pode ser passada a impressão que a banda “só” estaria executando as músicas em uma ordem específica e pronto. No caso da apresentação, creio que o resultado como um todo foi mais voltado para o nostálgico, mas de uma maneira positiva, reforçado especialmente pelo quanto que o público engajou com as músicas tocadas ao longo de todo o show, deixando também muito claro o impacto que o álbum acústico teve na música brasileira nos anos 2000. Sinto, porém, que a mudança na ordem da execução das faixas em relação ao disco original e a adição de canções que não fazem parte desse mesmo trabalho prejudicou um pouco o andamento do show, consequentemente quebrando um pouco do ritmo que tentava ser estabelecido ao longo de quase uma hora e meia de apresentação, e também resultando em duas finalizações que não foram as ideais: a finalização da execução do disco acústico e a finalização do show. 

No momento em que foi finalizada a execução do disco acústico (que teve a presença de canções de fora desse álbum), uma parte considerável do público havia entendido que aquele era o encerramento oficial da apresentação, o que, consequentemente, fez com que houvesse uma parte também considerável de pessoas que começaram a ir embora da casa. Porém, quando a banda voltou ao palco para tocar mais algumas músicas e, então, fazer o encerramento oficial da apresentação, parte dos fãs acabou “bugando” e não entendendo ao certo o que estava acontecendo (visto que eles já haviam começado a se desconectar da apresentação), o que, ao meu ver, acabou infelizmente enfraquecendo a finalização da apresentação. Caso tivesse sido deixado mais claro que aquele primeiro encerramento não era realmente o final do show, sinto que o resultado final (que já estava muito bom) poderia ter sido ainda melhor. 

Com energia de sobra e muita nostalgia, Ira! realizou uma excelente apresentação inaugural de sua turnê, celebrando um clássico atemporal da discografia contemporânea do rock brasileiro e que reforçou ainda mais a falta e a saudade deixada pela era dos Acústicos MTV no Brasil. 

Foto: João Zitti 

Foto: João Zitti 

Foto: João Zitti 


SETLIST:

01. Pra Ficar Comigo (Train in Vain) 

02. O Girassol 

03. Flerte Fatal 

04. Dias de Luta 

05. Saída 

06. Quinze Anos 

07. Rubro Zorro 

08. Eu Quero Sempre Mais 

09. Poço de Sensibilidade 

10. Por Amor 

11. Tarde Vazia 

12. Vida Passageira 

13. Flores em Você 

14. Ciganos 

15. Muito Além 

16. Boneca de Cera 

17. Tanto Quanto Eu 

18. Envelheço na Cidade 

19. Núcleo Base 

20. Mudança de Comportamento 

21. Chuto Pedras e Assobio 

22. Bebendo Vinho 


Agradecimento a Opus Entretenimento pelo credenciamento e Vibra São Paulo pela atenção

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