Archgoat - Fabrique Club - São Paulo/SP - 15 de março de 2025
Por: Rafael Cunha Procópio
Fotos: Rafael Cunha Procópio (@rafaelcprocopio)
Seguindo com a missão de espalhar o culto ao metal negro, a Estética Torta trouxe os finlandeses do Archgoat após mais de uma década desde a última passagem por aqui. A banda viria ao Brasil para fechar a última edição do Brazilian Ritual: Final Attack em 2023, mas foi substituída pela máquina de guerra canadense Blasphemy. Nessa vinda, a turnê era para ter acontecido originalmente com os suecos do Nordjevel, que cancelaram de última hora. O que parecia um novo revés à vinda dos bodes finlandeses acabou gerando a oportunidade ideal para que o novo projeto de Geraldo Minelli, The Laws Kill Destroy, fizesse a sua estreia nos palcos.
Passando por Curitiba um dia antes, o show de São Paulo começou cedo. Com um pequeno atraso, talvez intencional, dada a ainda baixa presença do público, o mineiro The Laws Kill Destroy iniciou o seu set pouco depois de 17h30 com uma quadrilogia do icônico disco de estreia do Sarcófago, INRI, após a blasfema Recrucify bombardear o sistema de som do Fabrique. Black Vomit foi veloz e ferozmente seguida por Satanas, Satanic Lust e a autointitulada INRI. Somadas a Sex, Drinks & Metal, hino do EP Rotting, os vocais dessa primeira parte do show foram assumidos por Pedro Nicolsky.
Como a maior parte do material gravado nos primórdios da cena death/black metal, os instrumentos ganham um brilho extra nas performances ao vivo quando se tem músicos, equipamentos e equipe à altura do material - o que foi o caso nas três frentes. Ainda que a voz de Wagner Antichrist no INRI seja marcante e insubstituível, os vocais guturais mais ríspidos de Pedro também combinaram muito bem com o material da primeira fase do Sarcófago. Os destaques ficaram para INRI e Satanic Lust, além de Black Vomit, que, enquanto faixa de abertura, deu o tom soturno de culto ao antigo logo de cara ao anunciar que aquele seria um show de “old school death fucking metal”.
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Já a segunda metade do set focou no material do disco The Laws of Scourge, cantado por Rodrigo Malevolent. A faixa-título abriu a sequência matadora que também contou com Screeches From The Silence, Prelude to a Suicide e culminou em Midnight Queen, música com maior adesão do público ao compor o coro melodramático da faixa. Correndo o risco de cometer uma heresia, Malevolent trouxe um (positivo) toque mais “underground” e brasileiro para sons que, originalmente, foram compostos visando um lado mais comercial e “americanizado” da sonoridade inicial do Sarcófago. Talvez seja até por isso que Rodrigo fez questão de exclamar ao público presente - que nesse momento já estava maior - de que “o início está aqui, porra”! O setlist foi então complementado por Orgy of Flies, do Hate (e, contradizendo a lenda da época acerca da suposta incapacidade humana de tocar as músicas do disco, com bateria tocada ao vivo), e Nightmare, do INRI, totalizando 50 minutos de pura exaltação ao metal extremo nacional.
Sem a imagem, o peso e a crueza musical da cena brasileira da década de 1980, de que o Sarcófago foi um dos expoentes juntamente com o Sepultura, o metal extremo global certamente tomaria outros rumos. A nossa influência sobre bandas estrangeiras mais cultuadas é inegável. Eis o porquê da grave injustiça de a banda ter um show tão vazio quanto o dessa noite. Não é dizer que ícones nacionais não sejam valorizados, até mesmo porque Geraldo Incubus foi ovacionado ao final do show pelos presentes - alguns aproveitaram para tirar fotos com o membro-fundador do Sarcófago, que desceu logo na sequência do show -, mas o público nacional certamente deveria prestigiar de forma mais ferrenha as bandas de abertura nacionais nesses shows internacionais.
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Cerca de vinte minutos depois, o Archgoat já estava no palco pronto para disparar o seu bélico arsenal black metal sobre o público. Durante a próxima hora, os gêmeos Kai “Ritual Butcherer” e Rainer “Lord Angelslayer”, contemplaram de forma equilibrada tanto o clássico EP Angelcunt (tocado quase que integralmente) quanto o material dos últimos 20 anos, pós-reformulação da banda. A simplicidade do palco e iluminação refletiram bem o som dos finlandeses, que extirpa todo o excesso e foca na brutalidade pura e sem firulas da sonoridade negra.
Circula há algum tempo no submundo o lema de que o “black metal é guerra” e o Archgoat, sem sombra de dúvidas, o leva a sério. Despido de qualquer excesso musical ou visual, o trio conquistou o público com uma massiva e impiedosa parede sonora que oprimiria ouvidos mais sensíveis ou despreparados. Sem grandes introduções ou falatório de Lord Angelslayer, a abertura com Heavens Ablaze foi emendada em Lord of the Void, Jesus Christ Father of Lies, The Apocalyptic Triumphator e Goat and the Moon. Com uma faixa representando cada um dos cinco discos full dos finlandeses, as constantes evidentes foram os impressionantes domínio e técnica que todos os membros têm de seus respectivos instrumentos. Destaque especial foi para Tuukka “Goat Aggressor”, membro mais novo da banda, que fez coro perfeito com o baixo de Angelslayer ditando o ritmo da marcha de guerra ao mesmo tempo em que mantinha, sem pausas, o headbanging. Com relativamente poucas passagens cadenciadas, é impressionante notar a estamina dos membros durante todo o show, seja por manter a constante metralhadora percussiva, seja no disparo incessante de riffs de motosserra que Ritual Butcherer toma emprestado, incorporando personalidade própria, do death metal sueco.
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A quase ausência de iluminação forte reforçava de algum modo a mensagem da banda. O clima do show é bastante denso e sombrio, como os recantos mais obscuros da infernal existência humana. A parte final de The Apocalyptic Triumphator e a sua sucessora, Goat and the Moon, com seu ritmo doom mais arrastado, seriam breves fôlegos do massacre auditivo não fosse o aspecto sufocante similar a estar sujeito a algumas atmosferas de pressão extras. Assim, a batida de pregos que prenunciava Messiah of Pigs soou quase como um alívio por voltar ao ritmo bélico mais furioso característico da banda.
Na sequência, Angelslayer dedicou Darkness has Returned ao Brasil, após tantos anos sem passarem pelo país. A marcha do Archgoat seguiu adiante com Rise of the Black Moon, as hipnóticas Goddess of the Abyss of Graves e Nuns, Cunts & Darkness, ambas com alavancagens à la Slayer mais proeminentes, além da marretada Hammer of Satan e de Grand Luciferian Theophany, que desceram, sem piedade, os pregos finais sobre o set regular da banda.
Os poucos minutos de respiro que antecederam o bis não foram suficientes para dissipar os ecos dos cavernosos guturais de Angelslayer e o ribombar de “Hail Satan, Hail Lucifer” da última faixa, do The Apocalyptic Triumphator. No bis, o foco foi o material inicial da década de 1990, com a sequência de Black Messiah, Death and Necromancy e Soulflay, todas do EP Angelcunt, e o encerramento com Penis Perversor, da segunda demo do grupo. Remetendo a tempos mais “inocentes”, a seleção noventista não perdeu em nada no peso e brutalidade. Por fim, a demonstração de respeito por parte do Archgoat pelos precursores das vertentes negras do metal veio na breve introdução à Death and Necromancy, quando Angelslayer mencionou a influência que tiveram do velho Sepultura, Chakal, Holocausto e, claro, Sarcófago, a quem o som foi dedicado.
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A conexão entre Brasil e Finlândia, um ex-Sarcófago e Archgoat, apesar de ter vindo de última hora, foi exitosa e explosiva. Os fãs do bom black e war metal certamente saíram dali contemplados pela energia musical em sua forma mais crua e brutal, como deve ser um bom show de metal negro.
Setlist:
Heavens Ablaze
Lord of the Void
Jesus Christ Father of Lies
The Apocalyptic Triumphator
Goat and the Moon
Messiah of Pigs
Darkness Has Returned
Rise of the Black Moon
Goddess of the Abyss of Graves
Nuns, Cunts and Darkness
Hammer of Satan
Grand Luciferian Theophany
Encore:
Black Messiah
Death and Necromancy
Soulflay
Penis Perversor
Agradecimento à Estética Torta pelo credenciamento e Fabrique Club pela atenção
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