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8 de fevereiro de 2021

BANDA MEU FUNERAL ESTREIA NO CAST DA UNIVERSAL MUSIC COM O LANÇAMENTO DO SEU PRIMEIRO ÁLBUM, “TROPICORE HARDCAL”

Foto: Reprodução


Quase 50 anos após o seu nascimento, o punk ainda se mostra relevante, eu diria, necessário.

Bandas como Ramones, The Clash, The Dictators, Sex Pistols e tantas outras do punk setentista eram um reflexo direto do espírito do seu tempo: a revolta de um povo, dos mais jovens (mas não apenas) contra padrões de vida, estéticos e morais que eles jamais poderiam ou desejariam alcançar – o "no future" entoado por John Lyndon era o grito de toda uma geração de excluídos. No entanto, o tempo passou, o mundo mudou, o pessimismo (e a agressividade) que outrora eram exclusivos do estilo se tornaram uma característica dos nossos tempos, desdobrando-se numa espécie de egoísmo massificado: já que “não há futuro", não existem limites para a busca de nossos interesses pessoais. É como diz a expressão: "farinha pouca? Meu pirão primeiro". Esse é o espírito dos nossos tempos, essa é a base da nossa política. Infelizmente.

Como afirmar a necessidade do punk diante desse cenário? Bem, se o mundo mudou, o punk também. Nos anos 90, a agressividade deu espaço ao humor, algo já presente em algumas bandas clássicas, como o Ramones, e bandas como Green Day, Offspring e Blink 182 se tornaram o rosto do estilo. Pelo menos de sua vertente mais conhecida, o chamado “pop punk”. Muitos enxergaram nessa passagem a morte do punk, fagocitado pelo sistema que outrora atacava tão ferozmente.

Mas as coisas avançaram e recentemente observamos toda uma safra de novas bandas que misturam a leveza e a irreverência dos 90 com a mensagem política e a revolta dos 70.

Meu Funeral pertence a essa geração. 


O álbum “Tropicore Hardcal” é composto por um total de 14 músicas, que serão lançadas em etapas pela Universal Music. A primeira parte do projeto é o EP “Acabou”, que chega às plataformas digitais no dia 5 de fevereiro com três faixas: “Acabou (você não é mais presidente)”, “Queimando a mufa” e “Não se esqueça de postar”. Posteriormente, serão lançados outros dois EPs. Fechando a tampa, a banda libera um álbum completo, com a íntegra do repertório.

Na faixa "Acabou (você não é mais presidente)", uma das três que compõem o primeiro EP, o grupo carioca canta sobre o dia em que nos veremos livres do regime político que nos oprime, ou melhor, daquele que o representa, o atual Presidente da República - esse que evoca, a todo momento, o desalento e a raiva com forças de mobilização. É impossível escutar os acordes e versos, simples e diretos (como deve ser o punk!), sem esboçar um sorriso, sem desejar que a música se concretize. O coro que encerra a música, entoando o refrão, dá a dica: para que isso ocorra é necessário que todos estejamos de fato juntos, cantando e lutando. Unidos, que sejamos uma comunidade, uma coletividade que resiste, não mais indivíduos isolados e revoltados e, portanto, facilmente esmagados. A importância da coletividade para a resistência reaparece, ainda, em “Queimando a mufa”, que denuncia, justamente, os limites da revolta individual, especialmente aquela que é obcecada com as métricas de sucesso e fracasso que nos são impostas pela vida moderna – o comportamento que alimenta o mercado dos coachs!

Em “Coisa de satanás”, inclusive, denunciam outra hipocrisia da mesma vida moderna: os versos, sob uma base que nos remete diretamente ao punk californiano dos anos 90, especialmente Pennywise, nos falam sobre como somos ensinados a consumir alguns entorpecentes enquanto condenamos outros. Pior: condenamos aqueles que os utilizam. “Não se esqueça de postar” segue discorrendo sobre nossos hábitos de consumo, contudo, o foco agora é na forma como consumimos e somos consumidos pelas redes sociais, nos efeitos que elas têm sobre as nossas vidas: a música nos fala sobre uma vida mediada por algoritmos, uma realidade artificial que é mais importante que do que o próprio real. Ela nos fala sobre uma distopia, a nossa, onde um bom selfie vale mais que um sorriso genuíno.

Com efeito, se as músicas anteriores nos falam sobre os ensinamentos da vida contemporânea, 94 nos fala sobre o que talvez seja a solução: como diriam os Beatles, o amor. Mas não um amor qualquer, mas um amor entre duas pessoas que, nos diz a canção, não poderiam ser mais diferentes. Na divertida imagem do refrão, um casal que é como Bebeto e Romário na Copa de 94. Um amor que floresce e funciona por meio da diferença e não apesar desta. Um aviso importante em tempos em que o amor e até mesmo as amizades são vistas como “coisas” que só pode ser imaginadas entre aqueles que pertencem às mesmas "bolhas", aos mesmos mundos. 


Por falar em soluções, temos ainda duas canções que versam sobre fugas possíveis,  necessárias e urgentes do mundo em que vivemos: “Dançar” e “Ninguém mais ouve ska”. Na primeira somos apresentados a um sujeito mediano, um destes que, como tantos, todo dia se levanta e enfrenta um trabalho, uma vida que não lhe satisfaz – uma história sobre todos nós. Mas a música fala sobre como a dança e a festa libertam esse indivíduo, ela não permite que ele apenas sobreviva à sua jornada de martírios cotidianos. Dito de outra forma, ela impede que ele se torne como os personagens denunciados na canção “Queimando a mufa”. Já em “Ninguém mais ouve ska” temos um interessante contraste entre a base, que é um ska (ritmo que evoca uma alegria e nos convida continuamente a dançar) e a letra, que versa sobre os desesperos que vivemos no cotidiano, que nos inspiram a raiva e o citado ensimesmamento. De fato, o diagnóstico da música é preciso: estamos tristes ao ponto de não podermos mais aproveitar as pequenas alegrias da vida – e foi assim que terminamos no cenário que “Acabou” busca enterrar. Fomos conquistados por meio da nossa tristeza, por meio da nossa raiva.

O álbum ainda conta com canções interessantes, como “O rock´n´roll anda tão burocrático”, uma crítica ácida ao cenário, a cena atual, totalmente dominada por personalidades decadentes e/ou por empresários inescrupulosos, e “Agricultor de merda”, uma típica canção de revolta, porém com uma melodia malemolente.

Chamei atenção para estas canções em específico pois elas me parecem inscrever um ciclo: anunciam um sonho, que é a derrocada do atual regime político; ao mesmo tempo descrevem os caminhos que nos levaram até ele – o ensimesmamento, a raiva, a obsessão com a cultura do ‘ter’ e não do ‘ser’ –, e ainda, nos oferecem soluções leves, alegres e sobretudo acessíveis: a dança, o amor, a diversão.

E isso demonstra a relevância deste trabalho do Meu Funeral. Remando contra a maré: se os políticos, os hipócritas inspiram pelo medo e pela raiva, o punk atual inspira e resiste por meio da alegria, da irreverência, por meio do sorriso.

Longa vida ao punk! 


ORLANDO CALHEIROS é Doutor em Antropologia Social, foi assessor da Comissão Nacional da Verdade e atuou como pesquisador do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Atualmente desenvolve projetos de comunicação que tenham como objetivo a divulgação de pautas ligadas aos Direitos Humanos. 

Foto: Juliana Ramos


Sobre Meu Funeral:

Canções que desafiam e deleitam o ouvinte. O desafio vem da urgência dos temas que são abordados com uma estética punk DIY que beira a irresponsabilidade. O deleite vem dos refrões fáceis de cantar e da sensação de alma lavada por finalmente ver estes temas em uma música. Esta dualidade é reflexo das nuvens que pairam sobre o vocalista Luquita, que não reluta em falar de política, mortalidade, injustiça e até o amor - um grito pelo mundo como ele deveria ser. Mais que uma apresentação musical, seus shows são atos de engajamento e uma explosão de energia difícil de descrever. Sempre se valendo do bom humor como ferramenta. 


Meu Funeral é:

Luquita - voz, guitarra, ukulele

Pepe - guitarra, backing vocal

Dan - baixo, backing vocal


Agradecimento: Luana Ribeiro - Universal Music Brasil

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