O primeiro show solo de Eddie Vedder, na última quarta-feira (28), no
Citibank Hall, foi uma deliciosa maneira de terminar um dia de dar medo. Por
conta da intensa chuva que caiu na cidade de São Paulo, naquela tarde, o show precisou
ser atrasado em quarenta minutos. Não porque não tivessem condições de estarem
prontos a tempo, mas propositalmente, para esperar que mais pessoas conseguissem
chegar.
Arte: Ian Willians Art and Design |
A abertura ficou por conta do irlandês Glen Hansard que tocou por
aproximadamente 40 minutos para uma casa com pouco menos da metade do público
esperado e depois retornou ao final do show principal para encerrá-lo
acompanhando Eddie em "Sleepless Nights", "Society" e "Hard Sun".
A equipe de Eddie Vedder organizou o palco com bastante calma até que,
às 22h10, o músico entrou e abriu o show com a nova e emotiva "Cross the River"
(já tem áudio disponível no YouTube), tocada no órgão. Eu confesso que ouvir a
voz do Eddie ao vivo naquela casa silenciosa e atenta com o som limpíssimo me
fez lacrimejar os olhos. Como a introdução desta música dura por volta de uns
trinta segundos, quando a voz dele entrou em cena, ecoou e me invadiu de um
jeito muito especial. Obviamente na minha lista pessoal figuram outros cantores
preferidos e vozes inesquecíveis, até mais famosas e técnicas do que a de
Eddie, mas tem algo na voz dele que me emociona muito. "Cross the River", nesse
ponto, foi certeira no meu coraçãozinho! haha
A apresentação toda foi permeada por uma vibe intimista e meio triste,
já que o músico confessou ter perdido pessoas queridas, incluindo seu irmão, desde
a última vez em que se apresentou sozinho no país. O tema “armas” também foi
importante para caracterizar o clima do show (ver resenha Pearl Jam no Lollapalooza). Mesmo em português, o assunto foi novamente abordado, comentado
e ilustrado pela provocadora "Masters of War", de Bob Dylan, seguida de "Imagine",
a qual foi anunciada como sendo a composição de “um homem incrível que foi
morto a tiros”.
O setlist parece ter sido minuciosamente escolhido. As músicas beiravam
a introspecção e a tristeza com alguns picos de inconformação enérgica. Uma boa
parte das músicas tocadas foi covers do Pearl Jam, como "Long Road", "Sometimes"
(mais uma pra minha lista pessoal de músicas menos prováveis), "I am mine", "Just
Breath", "Wishlist", "Crazy Mary", "Light Years" e "Porch", além de covers de Daniel
Johnston, Pink Floyd, Tom Petty, John Lennon, James Taylor, The Clash, Nine
Inch Nails (entre outros) e, para minha surpresa, um trecho de Bad, do U2. "Light
Years", do Pearl Jam, foi tocada a pequenos trancos, já que, como não era tocada
com o grupo há tempos, a memória não ajudou muito. Contudo, são esses detalhes
que fazem desses shows uma viagem gostosa: existe o setlist, mas nem por isso
sai tudo 100% perfeito e o público vai à loucura mesmo assim (a.k.a eu hahaha).
Eddie é um cara reservado e focado. Chamou fãs ao palco, mas não numa
vibe parecida com as do Bono, do Jon Bon Jovi ou do Steven Tyler, mas sim, para
distribuir vinho, por exemplo, como lhe é peculiar. O cumprimento mais caloroso
que deu foi um aperto de mão na fã convidada a acender a fogueira instalada no
palco para simbolizar o início da fase "Into the Wild" do show.
Foto: Josh Brasted / WireImage - Facebook Eddie Vedder |
Foi meu primeiro show solo do Eddie Vedder, mas foi uma experiência que
eu faço questão de reviver quantas vezes tiver oportunidade. Até porque adoro
perceber como a persona e voz dele envelheceram. Há um tempo atrás, estava
assistindo uns vídeos do Pearl Jam recebendo prêmios e fazendo pequenos
discursos nos idos de 1993 ou 1996 (não tenho completa certeza) e, em muitos
momentos, eu achei o cara até meio rabugento com o público e nas respostas às
entrevistas concedidas, mas acredito que isso tenha muito a ver com o contexto
musical da época em oposição, por exemplo, ao colorido (em vários sentidos)
glam metal, com o momento da banda e suas pautas, mas também acho que a
maturidade chegou e vejo hoje um Eddie Vedder (e Pearl Jam também) mais
acessível e aberto, sem perder sua introspecção artística – porque é assim que
ele compõe –, ao mesmo tempo em que trabalha suas reivindicações explicitamente
em sua arte. Eddie aparenta ser retraído e discreto, bastante focado na música.
Quanto à voz, é possível perceber que os graves intensos, tornaram-se uma voz
relativamente mais aguda e com mais falsetes e caídas de notas do que nos
primeiros anos do Pearl Jam. Acho que para um cara de 52 anos, Eddie Vedder
está muito bem, em forma (física, vocal, musical), demonstrando seu talento sólido
e confiante. É admirável vê-lo se apresentar.
Além de todas essas qualidades, diria também que está bem espirituoso.
Calma, eu explico! Se fosse para levantar um ponto negativo do evento, eu diria
que foram os 5% do público (estatísticas de Marcela) que perderam um pouco a
linha entre ser o típico brasileiro amistoso e boa praça e acabaram se
transformando, para mim, na imagem daquele colega inconveniente que ninguém
sabe quem convidou, mas que está em todos os churrascos, bebe demais e
atrapalha as conversas dos outros, sabem? Amigos… não façam isso. Não sigam o
lema “perco o amigo, mas não perco a piada”. Percam a piada!
Digo isso, pois não houve UM intervalo entre as músicas (detalhe: num
show de duas horas e meia, explicitamente introspectivo e intimista, com
intervalos bastante sentimentais e assuntos sérios) em que não haviam, entre
outros, gritos de “mozão”, “marry me”, “toca Guns”, “vai, Corinthians”, “vai,
São Paulo” e até umas grosseirias do tipo gritar “chega” quando Eddie chamou um
fã ao palco e se estendeu conversando com ele (na verdade, acho que só se
estendeu, porque o cara devia estar tão emocionado que parecia estar tendo
dificuldades de se comunicar, mas isso só ele vai poder dizer). Sério! Tudo bem
que eu tenho limite muito baixo à vergonha alheia, mas acredito que os outros
95%, que embarcaram no mood do evento, concordariam comigo, até porque
começaram a ter de fazer “shhhh” em TODOS os intervalos para que os amigões do
churrasco parassem de gritar. Foi aí que entrou a
espirituosidade de Eddie que, mais pro fim do show, soltou: “Sabem… eu toco há
muitos anos com o Mike McCready [guitarrista do Pearl Jam]. Vocês o conhecem.
Então… o Mike toca muito alto… mas MUITO alto… demais! E uma das consequências
disso é que, com o tempo, você meio que perde um pouco da audição. E isso
aconteceu comigo: eu sei que vocês estão falando, mas eu não estou entendendo
porra nenhuma!”. Não preciso dizer que o comentário veio a calhar! Mas acho que
não foi muito bem compreendido...
Apesar desse grão de areia negativo (e que eu espero que não tenha se
repetido nos outros dois dias) em meio a um oceano de delícias, o show foi,
para mim, incrível e mesmo para aqueles que não são fãs de seu trabalho ou do
Pearl Jam, mas simpatizantes, recomendo garantir uma vaguinha no próximo
evento, porque terminar o show cantando, em conjunto, Hard Sun em pé (a plateia
fica sentada neste show) é uma sensação extasiante, da qual eu sei que vocês
iriam curtir fazer parte.
PS.: Gostaria de deixar claro que meu comentário a respeito da plateia
não foi com intenção de ofensa, mas de dar um “toque esperto” sobre a
necessidade de controlar a ultra empolgação, aliás muito bem justificada,
diga-se de passagem.
Por: Marcela Monteiro
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