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3 de abril de 2018

Primeira noite de Eddie Vedder solo em São Paulo: excelente maneira de encerrar um dia tempestuoso


O primeiro show solo de Eddie Vedder, na última quarta-feira (28), no Citibank Hall, foi uma deliciosa maneira de terminar um dia de dar medo. Por conta da intensa chuva que caiu na cidade de São Paulo, naquela tarde, o show precisou ser atrasado em quarenta minutos. Não porque não tivessem condições de estarem prontos a tempo, mas propositalmente, para esperar que mais pessoas conseguissem chegar.

Arte: Ian Willians Art and Design
 
A abertura ficou por conta do irlandês Glen Hansard que tocou por aproximadamente 40 minutos para uma casa com pouco menos da metade do público esperado e depois retornou ao final do show principal para encerrá-lo acompanhando Eddie em "Sleepless Nights", "Society" e "Hard Sun". 

A equipe de Eddie Vedder organizou o palco com bastante calma até que, às 22h10, o músico entrou e abriu o show com a nova e emotiva "Cross the River" (já tem áudio disponível no YouTube), tocada no órgão. Eu confesso que ouvir a voz do Eddie ao vivo naquela casa silenciosa e atenta com o som limpíssimo me fez lacrimejar os olhos. Como a introdução desta música dura por volta de uns trinta segundos, quando a voz dele entrou em cena, ecoou e me invadiu de um jeito muito especial. Obviamente na minha lista pessoal figuram outros cantores preferidos e vozes inesquecíveis, até mais famosas e técnicas do que a de Eddie, mas tem algo na voz dele que me emociona muito. "Cross the River", nesse ponto, foi certeira no meu coraçãozinho! haha

A apresentação toda foi permeada por uma vibe intimista e meio triste, já que o músico confessou ter perdido pessoas queridas, incluindo seu irmão, desde a última vez em que se apresentou sozinho no país. O tema “armas” também foi importante para caracterizar o clima do show (ver resenha Pearl Jam no Lollapalooza). Mesmo em português, o assunto foi novamente abordado, comentado e ilustrado pela provocadora "Masters of War", de Bob Dylan, seguida de "Imagine", a qual foi anunciada como sendo a composição de “um homem incrível que foi morto a tiros”.

O setlist parece ter sido minuciosamente escolhido. As músicas beiravam a introspecção e a tristeza com alguns picos de inconformação enérgica. Uma boa parte das músicas tocadas foi covers do Pearl Jam, como "Long Road", "Sometimes" (mais uma pra minha lista pessoal de músicas menos prováveis), "I am mine", "Just Breath", "Wishlist", "Crazy Mary", "Light Years" e "Porch", além de covers de Daniel Johnston, Pink Floyd, Tom Petty, John Lennon, James Taylor, The Clash, Nine Inch Nails (entre outros) e, para minha surpresa, um trecho de Bad, do U2. "Light Years", do Pearl Jam, foi tocada a pequenos trancos, já que, como não era tocada com o grupo há tempos, a memória não ajudou muito. Contudo, são esses detalhes que fazem desses shows uma viagem gostosa: existe o setlist, mas nem por isso sai tudo 100% perfeito e o público vai à loucura mesmo assim (a.k.a eu hahaha).
Eddie é um cara reservado e focado. Chamou fãs ao palco, mas não numa vibe parecida com as do Bono, do Jon Bon Jovi ou do Steven Tyler, mas sim, para distribuir vinho, por exemplo, como lhe é peculiar. O cumprimento mais caloroso que deu foi um aperto de mão na fã convidada a acender a fogueira instalada no palco para simbolizar o início da fase "Into the Wild" do show.

Foto: Josh Brasted / WireImage - Facebook Eddie Vedder
 
Foi meu primeiro show solo do Eddie Vedder, mas foi uma experiência que eu faço questão de reviver quantas vezes tiver oportunidade. Até porque adoro perceber como a persona e voz dele envelheceram. Há um tempo atrás, estava assistindo uns vídeos do Pearl Jam recebendo prêmios e fazendo pequenos discursos nos idos de 1993 ou 1996 (não tenho completa certeza) e, em muitos momentos, eu achei o cara até meio rabugento com o público e nas respostas às entrevistas concedidas, mas acredito que isso tenha muito a ver com o contexto musical da época em oposição, por exemplo, ao colorido (em vários sentidos) glam metal, com o momento da banda e suas pautas, mas também acho que a maturidade chegou e vejo hoje um Eddie Vedder (e Pearl Jam também) mais acessível e aberto, sem perder sua introspecção artística – porque é assim que ele compõe –, ao mesmo tempo em que trabalha suas reivindicações explicitamente em sua arte. Eddie aparenta ser retraído e discreto, bastante focado na música. Quanto à voz, é possível perceber que os graves intensos, tornaram-se uma voz relativamente mais aguda e com mais falsetes e caídas de notas do que nos primeiros anos do Pearl Jam. Acho que para um cara de 52 anos, Eddie Vedder está muito bem, em forma (física, vocal, musical), demonstrando seu talento sólido e confiante. É admirável vê-lo se apresentar.

Além de todas essas qualidades, diria também que está bem espirituoso. Calma, eu explico! Se fosse para levantar um ponto negativo do evento, eu diria que foram os 5% do público (estatísticas de Marcela) que perderam um pouco a linha entre ser o típico brasileiro amistoso e boa praça e acabaram se transformando, para mim, na imagem daquele colega inconveniente que ninguém sabe quem convidou, mas que está em todos os churrascos, bebe demais e atrapalha as conversas dos outros, sabem? Amigos… não façam isso. Não sigam o lema “perco o amigo, mas não perco a piada”. Percam a piada!
Digo isso, pois não houve UM intervalo entre as músicas (detalhe: num show de duas horas e meia, explicitamente introspectivo e intimista, com intervalos bastante sentimentais e assuntos sérios) em que não haviam, entre outros, gritos de “mozão”, “marry me”, “toca Guns”, “vai, Corinthians”, “vai, São Paulo” e até umas grosseirias do tipo gritar “chega” quando Eddie chamou um fã ao palco e se estendeu conversando com ele (na verdade, acho que só se estendeu, porque o cara devia estar tão emocionado que parecia estar tendo dificuldades de se comunicar, mas isso só ele vai poder dizer). Sério! Tudo bem que eu tenho limite muito baixo à vergonha alheia, mas acredito que os outros 95%, que embarcaram no mood do evento, concordariam comigo, até porque começaram a ter de fazer “shhhh” em TODOS os intervalos para que os amigões do churrasco parassem de gritar. Foi aí que entrou a espirituosidade de Eddie que, mais pro fim do show, soltou: “Sabem… eu toco há muitos anos com o Mike McCready [guitarrista do Pearl Jam]. Vocês o conhecem. Então… o Mike toca muito alto… mas MUITO alto… demais! E uma das consequências disso é que, com o tempo, você meio que perde um pouco da audição. E isso aconteceu comigo: eu sei que vocês estão falando, mas eu não estou entendendo porra nenhuma!”. Não preciso dizer que o comentário veio a calhar! Mas acho que não foi muito bem compreendido...

Apesar desse grão de areia negativo (e que eu espero que não tenha se repetido nos outros dois dias) em meio a um oceano de delícias, o show foi, para mim, incrível e mesmo para aqueles que não são fãs de seu trabalho ou do Pearl Jam, mas simpatizantes, recomendo garantir uma vaguinha no próximo evento, porque terminar o show cantando, em conjunto, Hard Sun em pé (a plateia fica sentada neste show) é uma sensação extasiante, da qual eu sei que vocês iriam curtir fazer parte.

PS.: Gostaria de deixar claro que meu comentário a respeito da plateia não foi com intenção de ofensa, mas de dar um “toque esperto” sobre a necessidade de controlar a ultra empolgação, aliás muito bem justificada, diga-se de passagem.


Por: Marcela Monteiro

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