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9 de junho de 2019

Andre Matos: aquele clipe de More

Foto: Arquivo pessoal Jair Cursiol Filho 

Eu devia estar trabalhando, devia estar resolvendo os problemas da minha tese de mestrado. Não consigo. Passei a noite de ontem repetindo uma música de outro artista pois não queria que o shuffle caísse em suas músicas ou escutar a sua voz. Hoje desabei. Você se foi cedo, cedo demais pra alguém que podia produzir tanto, mas ao menos deixou muito pra nós. Muito pra mim.

Ainda me lembro daquela manhã em que eu estava andando pelo centro de Americana, interior de São Paulo e vi o clipe de More do álbum Reason passando na MTV na TV de uma loja. Vi não mais do que dois minutos e fui comprar o disco. O som de Turn Away me assustou no começo, o piano de Born to Be me conquistou.

Minha vida mudou tão rápido. Me apaixonei por um estilo que me trouxe até aqui. Essa paixão arrebatadora por sua arte me levou ao For Tomorrow, o fórum e o fã clube, me levou a comprar um baixo de 5 cordas (era o que o Luís usava, 4 já não era mais uma possibilidade), me levou ao meu primeiro show de rock em Piraciba, me levou até a ver vocês fazendo Judas contra o Matanza fazendo Motorhead dentro de uma tenda ridiculamente quente perto de Ubatuba por quatro horas (das quais duas devem ter sido o Marcos Mion errando falas).

A viagem levou aos obrigatórios Angra e Viper. O Virgo, que mais gente devia escutar. O Avantasia e o Edguy de Tobias Sammet, o Helloween de Andi Deris, o Rhapsody de Luca Turilli, as 352 bandas produzidas pelo Sascha Paeth. Tudo o que conheci na música desde então consigo traçar em 10 segundos até aquele clipe de More.

E assim, rápido, minha vida mudou. E rápido o Shaman se separou. Antes do Zuckenberg saber o que todo mundo faz, era no Orkut que a gente se encontrava. Criei uma comunidade chamada “Shaman/Shaaman - Só Original” ou algo do tipo. Tentei, na minha burrice de adolescente, ajudar. Acho que piorei. Será que sem aquilo a banda teria voltado mais cedo? Não sei. Me desculpe. Ao menos conheci lá pessoas que levo até hoje (e ontem estávamos chorando juntos). Tudo por causa daquele clipe de More.

Ainda assim, dei a sorte de estar na audição do seu primeiro álbum solo. Pude pedir músicas na jam que vocês fizeram para os poucos sortudos que lá estavam. Até hoje uma das minhas experiências mais surreais, ainda que o Luís estivesse ranzinza com o tanto de perguntas que eu fazia. Tudo por causa daquele clipe de More.

A relação fã-músico nem sempre é um mar de rosas e a última década foi difícil (difícil acreditar que sua carreira solo começou em 2006 no Live’n’Louder!). Infelizmente Mentalize e Symfonia não tiveram o resultado econômico esperado e a carreira solo não deslanchou como deveria. Mas houveram pontos altos. Eu consegui levar meus pais num show de metal. Seu. Da tour do Angels Cry. Que tour. Que voz! E no tom.

Também consegui te ver com o Viper. Coisa que lá em 2012 era inacreditável. Pra não contar vantagem, devo dizer que vi só metade da gravação do DVD, seu último. Tinha que trabalhar no dia seguinte, mas, ei, melhor metade do que nada, né? Tudo por causa daquele clipe de More.

Me mudei para a Alemanha, longe dos seus shows - o Shaman nunca foi grande fora do Brasil e o público meio que te esqueceu. Até fã de Angra é meio raro por aqui. Mas a minha paixão que começou com a sua voz me trouxe para o Big Rock, me levou para o Wacken, me permitiu ver gravação de DVD do Kamelot (uma das 352 produzidas pelo Sascha Paeth), ver o Avantasia lotando arena sem você e sem o Tobias falando “do caralho São Paulo” (sim, eu estava lá te vendo quando a gente achava que a tour de 2008 era a única que ia acontecer). Mas fiquei longe dos seus shows.

Ano passado chorei de felicidade e de tristeza: mais de dez anos depois, o Shaman voltava para uma tour de comemoração. A razão da minha paixão estava de volta e longe de mim. Quase me permiti sonhar com uma tour europeia, um disco novo ou um registro ao vivo que pudesse matar a minha saudade e a minha vontade.  Tudo isso por causa daquele clipe de More.

Ontem tudo acabou. Algo me dizia que aquele show do Shaman com o Avantasia seria especial. Corri para ao menos conseguir ver o Avantasia por aqui. Mas fiquei longe dos seus shows. Não te vi no palco. Agora são quase 3 da tarde do domingo aqui na Alemanha, quase 10 da manhã no Brasil, e meus companheiros de choro de ontem continuam sem acreditar. Parece mentira. Parece que é uma pegadinha de muito mal gosto. Dói.

Doeu ler a mensagem do Hugo, maior parceiro musical, ver o Rafael sem saber muito bem o que fazer depois de anos tentando reatar uma parceria ou ver o ‘mago’ Lione, seu herdeiro, dizer que a magia dele não consegue trazer você de volta, mas que irá cantar as suas músicas o melhor que puder. Ainda não tive coragem de ver o que o Kiko falou. Dói.

Você se foi, mas me deixou muito. Me trouxe com sua arte uma paixão incontrolável por um estilo musical que está comigo por metade da minha vida. Sei que sou só mais um fã, mas você mudou a minha vida de uma maneira que é até difícil transformar em palavras. Tudo isso por causa daquele clipe de More.

Obrigado Andre.

Jair

5 comentários:

  1. Sempre brilhante Jair Filho. A tese vai virar brincadeira de uma tarde de domingo ensolarada.

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  2. Você foi um sortudo e nem sabe...lindo texto!

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  3. Tenho o mesmo sentimento que você bro, passei por coisas parecidas em relação ao grande Maestro, fico feliz que mesmo que a mídia e outros não entenderam ou não ligaram mesmo pro trabalho do Andre, nos estaremos aqui fazendo essas obras irem pra frente, seja tocando ou mostrando para os nossos filhos. De um orfão para outro orfão.

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  4. Tenho o mesmo sentimento que você bro, passei por coisas parecidas em relação ao grande Maestro, fico feliz que mesmo que a mídia e outros não entenderam ou não ligaram mesmo pro trabalho do Andre, nos estaremos aqui fazendo essas obras irem pra frente, seja tocando ou mostrando para os nossos filhos. De um orfão para outro orfão.
    Di Franco - Primezero

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